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16 de junho de 2020
Pinheiro de Morais

SANCIONADA LEI QUE CRIA REGIME JURÍDICO EMERGENCIAL NO PERÍODO DA PANDEMIA DO COVID-19

LEI Nº 14.010 DE 10 DE JUNHO DE 2020.

 

O presidente da República Jair Bolsonaro sancionou com vetos a Lei nº 14.010 de 10 de junho de 2020, originária do Projeto de Lei nº 1.179/2020, proposto pelo senador Antônio Anastasia, que altera diversos pontos das relações jurídicas de Direito Privado, em decorrência da pandemia do Covid-19.

A Lei publicada no Diário Oficial da União no dia 12 de junho de 2020, propõe um Regime Jurídico Emergencial e Transitório (RJET), suspendendo a aplicação de algumas normas do Código Civil, Código de Defesa do Consumidor, Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais e Lei do Inquilinato, apenas durante a vigência do RJET, mas sem promover nenhuma revogação ou alteração definitiva.

Decerto que a pandemia do Covid-19 implicou em um cenário mundial excepcional, marcado pela crise econômica, social e de saúde pública, exigindo a adoção de medidas que fujam da normalidade para atenuar os efeitos da crise e preservar o equilíbrio das relações socioeconômicas, tanto nas relações contratuais, societárias, de família e demais temas do Direito Privado.

Dentre as questões abordadas pela Lei 14.010/20, destaca-se a adoção das seguintes medidas:

 

DA PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA:

O Capítulo II da Lei, impõe pelo artigo 3º e seus parágrafos, o impedimento ou a suspensão da fluência dos prazos prescricionais e decadenciais, desde a data de entrada em vigor da lei, qual seja, 12 de junho de 2020, até a data de 30 de outubro de 2020.

Referida paralisação do prazo prescricional e decadencial tem por objetivo resguardar o interesse e o direito das pessoas de postular em juízo, minimizando os prejuízos decorrentes das paralisações do judiciário e das restrições de isolamento social impostas, impedindo o pleno exercício da advocacia.

Frise que o exercício da advocacia privada não foi elencado no rol de atividades essenciais previsto no Decreto nº 10.282, de 20 de março de 2020, o que justifica a adoção da medida para garantir que o isolamento social não implique em prejuízos àqueles que tiveram que postergar suas pretensões de postular em juízo.

 

DAS PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PRIVADO:

Por meio do artigo 5º da Lei 14.010/20, ficou estabelecida a possibilidade de realização de assembleia geral, tanto de sociedades, fundações e associações, inclusive para fins do artigo 59 do Código Civil, por qualquer meio eletrônico, desde que assegurada a identificação dos participantes e a segurança dos votos, independentemente de previsão nos atos constitutivos da pessoa jurídica.

O permissivo para realização de assembleia por meio eletrônico, objetiva desburocratizar os procedimentos exigidos nos atos constitutivos das pessoas jurídicas para a realização das assembleias, a fim de reduzir os impactos do isolamento social, possibilitando a reunião virtual para tomada de decisões em consonância com as leis sanitárias e, ainda, evitando futuras nulidades pela inobservância de possível requisito formal que exija encontro presencial.

 

DAS RELAÇÕES DE CONSUMO:

No campo das relações de consumo, a Lei 14.010/20, determina em seu Capítulo V, pelo artigo 8º, a suspensão até 30 de outubro de 2020 da aplicação do artigo 49 do Código de Defesa do Consumidor, que prevê o denominado direito ao arrependimento, nos casos de compras de produtos perecíveis, de consumo imediato ou de medicamentos.

Diante disso, nas compras realizadas à distância, na hipótese de entrega domiciliar (Delivery) resta afastado o chamado “prazo de reflexão”, que permite ao consumidor desfazer imotivadamente o contrato e receber a devolução dos valores pagos nos sete dias seguintes ao recebimento do produto ou da data da celebração do contrato, desde que a compra se refira a produtos perecíveis ou de consumo imediato e de medicamentos.

É notório que com a necessidade do isolamento social, as compras à distância, por meio de entrega domiciliar, aumentaram consideravelmente, de modo que a medida adotada pelo artigo 8º da Lei 14.010/20 visa atribuir maior segurança jurídica aos fornecedores, evitando discussão sobre a aplicabilidade do artigo 49 do CDC, nas hipóteses de compras de produtos perecíveis, de consumo imediato e medicamentos.

Destaque que já existem controvérsias a respeito da interpretação sobre a extensão da aplicabilidade do direito ao arrependimento, sendo que o legislador, diante do cenário da pandemia do Covid-19, positivou uma das interpretações até 30 de outubro de 2020, a fim de atenuar os transtornos que possam surgir nesse período.

 

DA USUCAPIÃO:

Pelo Capítulo VII, da Lei em comento, restou estabelecido em seu artigo 10º a suspensão dos prazos de aquisição para a propriedade imobiliária ou mobiliária, nas diversas espécies de usucapião, a partir da entrada em vigor da Lei 14.010/20 (12 de junho de 2020), até a data de 30 de outubro de 2020.

A justificativa para adoção dessa medida é a mesma utilizada para fundamentar o impedimento e a suspensão da fluência dos prazos decadenciais e prescricionais, qual seja, evitar prejuízos àqueles que desejam agir e postular em juízo, mas estão impedidos diante do isolamento social e demais medidas impostas ao combate ao Covid-19.

 

DOS CONDOMÍNIOS EDILÍCIOS:

No que concerne os condomínios edilícios, o Regime Jurídico Emergencial e Transitório (RJET), por meio do Capítulo VIII, artigo 12, possibilitou a realização de assembleia condominial, em caráter emergencial, por meios virtuais, sendo que a manifestação de vontade de cada condômino será equiparada, para todos os efeitos jurídicos, à sua assinatura presencial.

Ressalta-se que o permissivo constante no referido artigo 12 da Lei 14.010/20, aplica-se, inclusive, para assembleias condominiais a fim de destituir o síndico que pratica irregularidades e/ou deixar de prestar as contas, bem como para assembleia anual a fim de aprovar o orçamento das despesas, as contribuições dos condôminos e a prestação de conta, dentre outras especificadas nos artigos 1.349 e 1.350 do Código Civil.

Nas hipóteses em que não for possível e/ou viável a realização de assembleia condominial por meios virtuais, os mandados dos síndicos vencidos a partir de 20 de março de 2020, foram prorrogados até 30 de outubro de 2020.

É importante destacar que, as regulares prestações de contas dos atos de administração do síndico permanecem obrigatórias, sob pena de destituição do síndico, consoante reforçado pelo artigo 13 da Lei ora em análise, bem como do artigo 1.349 do Código Civil.

Cumpre esclarecer que o fundamento para permitir a realização de assembleia por meios eletrônicos é possibilitar a realização de conclaves virtuais, para coleta de votos, em razão da impossibilidade de aglomeração de pessoas e do isolamento social.

 

DO REGIME CONCORRENCIAL:

Por meio do Capítulo IX, da Lei 14.010/20, foram instituídas alterações específicas sobre o “regime concorrencial”, sendo que o artigo 14 tornou sem eficácia os incisos XV e XVII do § 3º do art. 36 e o inciso IV do art. 90 da Lei nº 12.529, de 30 de novembro de 2011, em relação a todos os atos praticados e com vigência de 20 de março de 2020 até 30 de outubro de 2020 ou enquanto durar o estado de calamidade pública.

Referida medida objetiva descaracterizar as condutas de “vender mercadoria ou prestar serviços injustificadamente abaixo do preço de custo” e de “cessar parcial ou totalmente as atividades da empresa sem justa causa comprovada” como infração da ordem econômica, além de sobrestar a presunção de haver atos de concentração nas hipóteses em que duas ou mais empresas celebrem contrato associativo, consórcio ou joint venture, no período em que durar o estado de calamidade pública.

Cumpre esclarecer que, consoante §2º do artigo 14, da Lei em comento, a suspensão da presunção de atos de concentração referida acima, não afasta a possibilidade de análise posterior do ato de concentração ou de apuração de infração à ordem econômica, na forma do art. 36 da Lei nº 12.529/2011, dos acordos que não forem necessários ao combate ou à mitigação das consequências decorrentes da pandemia do Covid-19.

Ainda, o §1º do referido artigo 14, determina que o julgamento da prática de ilícitos concorrenciais, previstos no artigo 36, da Lei nº 12.529/2011, levem em consideração as circunstâncias extraordinárias ocasionadas pela pandemia do Covid-19.

Destaque que, num quadro de normalidade de mercado, as práticas dos referidos atos poderiam prejudicar a ordem econômica, gerando reflexos diretos aos consumidores, entretanto, no cenário mundial de crise socioeconômica decorrente da pandemia do Covid-19, as medidas adotas pelo artigo 14 da Lei, visam atenuar os impactos nas empresas e proteger o mercado.

 

DO DIREITO DE FAMÍLIA E SUCESSÕES:

O Capítulo X da Lei do Regime Jurídico Emergencial e Transitório (RJET), alterou as medidas referentes à prisão civil por dívida alimentícia, prevista no artigo 528, § 3º, da Lei nº 13.105/2015, e estendeu os prazos para abertura e conclusão de inventários e partilhas.

No que concerne à prisão civil por dívidas de pensão alimentícia, o artigo 15 da Lei do RJET, fixa o regime exclusivamente na modalidade domiciliar, sem prejuízo da exigibilidade das respectivas obrigações.

O argumento para embasar a previsão de prisão civil apenas na modalidade domiciliar consubstancia-se no perigo de contágio do Covid-19 e no Princípio da Dignidade da Pessoa Humana.

Ademais, o artigo 16 da Lei em comento, dilatou o prazo inicial das sucessões abertas a partir de 1º de fevereiro de 2020, para o dia 30 de outubro de 2020, sendo que, o prazo de 12 (doze) meses para se ultimar o inventário, caso iniciado antes de 1º de fevereiro, ficará suspenso a partir da vigência da Lei do RJET, até 30 de outubro de 2020.

Tal previsão tem por fundamento a provável dificuldade para o levantamento de dados e documentos para formalização do pedido judicial de abertura de inventário, bem como a dificuldade de postular em juízo, decorrente do cenário do Covid-19, que acarretou em paralisações e restrições de isolamento social impostas, inclusive para o exercício da advocacia privada.

Em suma, estas são as principais medidas, alterações e justificação da Lei nº 14.010/20, que criou um Regime Jurídico Emergencial e Transitório no período da pandemia do Covid-19, com nítido intuito de atenuar os impactos decorrentes do cenário mundial excepcional, marcado pela grave crise econômica, social e de saúde pública, visando, ainda, preservar o equilíbrio das relações socioeconômicas, tanto nas relações contratuais, societárias, de família e demais temas do Direito Privado.

 

Pinheiro de Morais & Hosken Advocacia